Monday, December 05, 2005

dia 46. post 1

«Do outro prato só compreendi que continha frangos e túbaras. Depois saboreariam aqueles senhores um filete de veado, macerado em Xerez, com geleia de noz. E por sobremesa simplesmente laranjas geladas em éter.
- Em éter, Jacinto?
O meu amigo hesitou, esboçou com os dedos a ondulação de um aroma que se evola.
- É novo...Parece que o éter desenvolve, faz aflorar a alma das frutas...
Curvei a cabeça ignara, murmurei nas minhas profundidades:
- Eis a civilização!
E, descendo os Campos Elísios, encolhido no paletó, a cogitar neste prato simbólico, considerava a rudeza e o atolado atraso da minha Guiães, onde desde séculos a alma das laranjas permanece ignorada e desaproveitada denro dos gomos sumarentos, por todos aqules pomares que ensombram e perfumam o vale, da Roqueirinha a Sandofim! Agora porém, bendito Deus, na convivência de um tão grande iniciado como Jacinto, eu compreenderia todas as finuras e todos os poderes da Civilização.»

[A cidade e as serras, 1901 - Eça de Queiroz]