Monday, November 07, 2005

dia 38. post 1

Il suonatore di Violoncello
Ele tocava sempre de olhos fechados. conhecia o violoncelo de cor, a textura, a sensibilidade certa com que pressionar cada corda, as curvas macias, delicadas, frias somente ao tacto.
.
Mas ele também ouvia música de olhos fechados e palmilhava a cidade de olhos fechados e amava de olhos fechados e aparava primorosamente a barba todos os dias de manhã. De olhos fechados. Porque o mundo dele era o mundo dos sentidos depreciados. O mundo dos sons, das texturas, dos odores, dos instintos.
.
Ele gostava do seu mundo porque os olhos eram um presente envenenado que Deus tinha dado aos homens. Porque deturpava mais do que esclarecia e escravizava e enredava mais do que libertava.
Os homens diziam-lhe que ele não sabia o que era o céu. Que o céu era lindo e azul e às vezes cinzento e negro e que ele não podia nunca compreender o que isso era.
Mas ele sabia muito bem o que era o céu. O céu era a música e o vento nas narinas e o calor nos dias quentes e o molhado nos cabelos, o barulho dos trovões.
O céu era isso mesmo e ele sabia que o azul e o cinzento e o negro e todas aquelas palavras estéreis eram só uma inútil distração.